domingo, 4 de janeiro de 2009

Menino-Aranha*

*EXTRAIDO DO BLOG OVELHA POP

04 Janeiro, 2009


Quem viveu em Pernambuco nos anos 90 do século XX certamente há de lembrar de João Tiago, o Menino-Aranha, praticamente uma lenda urbana do Recife. João Tiago, um menino franzino (daqueles de que fala João Cabral em seu Morte e Vida Severina) freqüentava diariamente os noticiários (e páginas policiais) por assaltar apartamentos de luxo escalando prédios de alturas vertiginosas para qualquer um, ainda mais para uma criança de 7, 8 anos. Por essas façanhas, o pequeno anti-herói ficou conhecido como Menino-Aranha.
Filho da exclusão, nascido no hospital psiquiátrico Ulysses Pernambucano, o chamado Hospital da Tamarineira, o Menino-Aranha não conhecia limites e seus assaltos, eram, invariavemente, realizados sem qualquer uso de arma. Um dia, foi encontrado morto, crivado de balas, para alívio da estrutura social que, sem querer ou saber, tanto havia contestado.
É essa história, que oscila entre o fantástico e o terrível (a exemplo de O Labirinto do Fauno), que Mariana Lacerda conta em seu documentário Menino-Aranha. Lançando mão de uma narrativa horizontal, João Tiago é "contado" pelos depoimentos em off das pessoas que conviveram com ele e pelas imagens aéreas de uma Recife muito distante do chão, muito distante da favela e da polifonia dos becos e vielas de onde surgem, diariamente, tantos meninos e meninas desamparados e, por isso mesmo, ameaçadores da ordem e modo de vida de uma classe que esquece que sua opulência e omissão é a geradora de toda violência e contradição.
Há ainda na narrativa de Lacerda algo que chamarei de "estética da ascenção". João Tiago é percebido como um mártir, mas não exatamente nos moldes cristãos ou da esquerda. Sim, ele sobe, diariamente, a sua cruz, que pode ter 33 andares. Sim, essa cruz pode levá-lo ao "paraíso" das instituições que oferecem pão, cobertor e abrigo nas épocas mais difíceis ou ao paraíso do status de ter seu nome estampado nos jornais. Entretanto, João Tiago (que, talvez, não por acaso, carregue consigo os nomes de dois apóstolos) é muito mais um mártir da liberdade pessoal, dos sonhos que se desprendem do chão, da contradição que é ser criança num mundo muito, muito feio.
Ele, se pudesse, poderia até tomar emprestada uma das frases mais conhecidas de Emília, personagem de Monteiro Lobato:
Sou a independência ou morte!

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