terça-feira, 6 de novembro de 2007

Estudantes ocupam reitoria em defesa da soberania do país

UNIVERSIDADE 02/11/2007 15:00
Estudantes ocupam reitoria em defesa da soberania do país
Por Edílson Silva
Adam Smith, pensador escocês do século 18, em sua principal obra, "A origem da riqueza das nações", cravou um ponto de inflexão no processo de construção do pensamento econômico.
Ali ele apresentava ao mundo, entre outras famosas teses, como a *Teoria da Mão Invisível*, a sua *Teoria do Valor Trabalho*. Smith assim explicava por que as teses mercantilistas foram um desastre econômico e político. Ao mesmo tempo enterrava as teorias da jovem e bem intencionada "Escola Fisiocrata", então baseada na França.
A Teoria do Valor Trabalho seria mais tarde aprimorada por outro brilhante economista inglês, David Ricardo. Mais adiante, Karl Marx, já na primeira metade do século 19, construiria sua crítica ao Capital a partir das descobertas de Smith e Ricardo no campo econômico, "fundindo-as" com o melhor da filosofia alemã e do pensamento socialista francês.
Em tempos de altíssimo desenvolvimento das forças produtivas, do uso de avançadas tecnologias no processo de produção de mercadorias, a Teoria do Valor Trabalho de Smith, tão caras para Ricardo e Marx, passa por questionamentos profundos no meio intelectual e acadêmico.
Há quem defenda que esta teoria perdeu sua utilidade, pois o valor das mercadorias se explicaria agora a partir da "quantidade" de informação e conhecimento concentrados nelas.
Se Smith, Ricardo e Marx pudessem dar um palpite nesta polêmica, creio que diriam que a riqueza oriunda da informação e do conhecimento não pode originar-se de uma balança comercial positiva na transação de patentes, nem tão pouco brotaria da terra, como poderiam supor os mercantilistas e fisiocratas, respectivamente.
Essa riqueza, do ponto de vista da busca de uma teoria do valor, também pode ser decomposta em trabalho humano.
Um trabalho, antes de mais nada, intelectual, e cuja mensuração exige o aprofundamento dos conceitos "puros" de *Valor de Troca* e *Valor de Uso*das mercadorias, presentes nas teorias de Ricardo e de Marx.
Contudo, apesar da complexidade, trata-se indiscutivelmente de trabalho humano. Portanto, é bastante razoável se pensar que a "origem da riqueza das nações" ainda vem da sua capacidade de incorporar trabalho humano ao processo de produção de bens e serviços necessários à nossa complexa e diversa civilização.
Podemos concluir também que se um dia, lá nos tempos de Smith e Marx, informação e conhecimento já eram determinantes, nos dias atuais, quando informação e conhecimento são ingredientes ainda mais indispensáveis na determinação da riqueza de uma nação, o domínio das ciências e técnicas de produção de bens e serviços tornou-se ainda mais estratégico.
Fiz esta breve introdução para criticar o programa REUNI do governo Lula, pois entendo que este dá mais um passo no desembarque da universidade brasileira dos padrões de qualidade necessários para a consolidação de centros avançados de estudo, pesquisa e extensão, sem os quais o Brasil se distancia de sua plena capacidade de gerar conhecimento próprio, ou do mínimo de protagonismo no processo de construção multinacional de conhecimento.
A dependência científica torna o Brasil um dependente crônico de outras nações, principalmente as potências capitalistas, que não abrem mão de sua capacidade de gerar novos conhecimentos, e usam sua superioridade para submeter econômica e politicamente as demais nações.
O REUNI tenta impor às universidades federais uma lógica de mercado e de submissão às nações mais avançadas no terreno da ciência e da tecnologia.
Abre-se mão da qualidade em nome da mensuração de diplomas entregues. Quanto mais diplomas, mais dinheiro, na melhor das hipóteses 20% a mais que as verbas já recebidas pela instituição que aderir ao programa.
Esta lógica já foi aplicada no ensino fundamental no Brasil. O resultado mais visível foram alunos chegando à 4ª série fundamental sem saber ler e escrever.
No REUNI o aumento do número de alunos por professor torna-se uma meta. A lógica é sufocar a universidade na sua missão de pesquisar, com o "nobre" e sutil argumento de que "Professor é para estar em sala de aula, repassando conhecimento!".
Qualquer semelhança com documentos publicados pelo Banco Mundial, afirmando que países como o Brasil não precisam de universidades que formem massa crítica e muito menos conhecimento não é mera coincidência.
Para o Banco Mundial, países como Brasil e Gana não podem e nem precisam "gastar" com produção de conhecimento. Estes "gastos" já são feitos pelas nações mais ricas, como os Estados Unidos, Japão e Alemanha, e caberia a países como Brasil e Gana apenas construir instituições de ensino que repassem estes conhecimentos para seus alunos.
As universidade públicas federias, assim como as públicas estaduais, precisam ampliar suas vagas, abrigar mais e melhor os estudantes trabalhadores, com mais e melhores cursos noturnos, por exemplo.
Porém, esta busca não pode acontecer em detrimento da qualidade e do papel estratégico da universidade na consolidação da soberania e da independência do nosso país.
No momento em que escrevo este artigo há centenas de estudantes revezando-se numa heróica ocupação das dependências físicas da reitoria da UFPE, mobilizados contra a decisão de parte do Conselho Universitário em aprovar o ingresso da UFPE no REUNI.
Os estudantes querem a realização de um plebiscito na comunidade universitária para decidir se aceitam ou não este programa. Assim como em Pernambuco, outras 16 universidades federais encontram-se com suas reitorias ocupadas pelos mesmos motivos.
Os estudantes sabem o que está em jogo. Não se trata de uma luta política pontual, contra um Reitor, contra um governo, ou contra um programa governamental. Trata-se de uma luta com dimensão estratégica, que não pode ser apenas dos estudantes, mas de toda a comunidade universitária e toda a sociedade brasileira.
Os alunos lutam por uma nação soberana e independente, e merecem toda nossa solidariedade e apoio.
PS: Edilson Silva é presidente do PSOL/PE, escreve às sextas para o Blog de Jamildo

Nenhum comentário: